INTRODUÇÃO
O presente estudo apresenta reflexões sobre a compreensão do que é o espólio e pela análise da possibilidade de o espólio ser parte no Juizado Especial Cível. Ao que parece, superada a discussão de ser ou não parte o espólio no procedimento especial. Contudo, a discussão se volta unicamente quando há a existência do espólio.
Há quem entenda que espólio se forma a partir da morte e assim transfere-se todos os direitos e deveres. Mas a análise do tema não é tão simples. Deve se concentrar o estudo quanto aos bens deixados, bem como se trata de bens com saldo positivo e negativo. Se da soma dos bens reste saldo negativo, a discussão deve se voltar à legitimidade dos herdeiros como substituto processual.
Ainda que o Enunciado 148 do FONAJE deixe claro a possibilidade do espólio figurar como parte do Juizado Especial Cível, ainda assim essa permissão não pode ser encarada de forma ampla, devendo voltar novamente o estudo a expressa vedação do artigo 8º da Lei 9.099/95 [1].
Destarte, o objetivo deste artigo é entender e conceituar o que é espólio e a sua permissão de ser parte no Juizado Especial Cível e, ainda, demonstrar eventuais possibilidades de que será o procedimento especial incompetente para o processamento e julgamento da causa, não havendo possibilidade de interpretação sistêmica pelo magistrado.
DO ESPÓLIO COMO PARTE NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL
A Lei 7.244/84 dispunha sobre a faculdade da parte em ingressar com ação no antigo Juizado de Pequenas Causas, evidente, desde que observada a limitação quanto ao valor da causa, imposta pela própria lei. Vale lembrar que a Lei 9.099/95 [1] revogou a lei acima referida e não traz em seu texto de forma expressa a expressão faculdade da parte autora em ingressar com ação no Juizado Especial Cível o que conseguinte gera posicionamentos divergentes quanto ao tema.
De certo, não parece razoável interpretar que a Lei 9.099/95 [1] tenha trazido obrigatoriedade nas causas de sua competência. A melhor interpretação é a livre escolha do autor em entender qual via escolher, devendo avaliar o rito processual próprio do procedimento comum e do procedimento especial e onde terá melhor resultado a sua demanda. Obrigar que o autor utilize apenas uma via onde a legislação não impõe expressamente a obrigatoriedade, configura cerceamento de direito de acesso à Justiça. Nesse diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu em julgamento de conflito de competência nº 33.228-0 [2], da seguinte forma:
Juizado Especial e Justiça Comum. Opção a critério do autor. Possibilidade. Exegese do artigo 98, inciso I, da Constituição Federal da República e da Lei Federal 9.099/95. Conflito procedente e competente o Juízo Comum, suscitante. Compelir a parte ao uso obrigatório do Juizado Especial Cível configura cerceamento do direito de acesso ao Judiciário.
De igual forma, com o advento da Lei do Juizado Especial Cível, já se curvava entendimento pacífico quanto a faculdade na escolha do procedimento, vejamos:
O autor pode optar pelo procedimento sumário ou ordinário da Justiça Comum ou pelo procedimento oral e sumaríssimo do Juizado Especial Cível, sendo só aparente o conflito de normas existente entre o artigo 275 do CPC, com a nova redação da Lei n. 9.099/95, e o artigo 3º da Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais [3].
Dito isso, surge mencionar que, por analogia, a parte terá a faculdade de ingressar com ação no Juizado Especial Cível, não sendo, portanto obrigatório. Da expressão do § 3º do artigo 3º da Lei 9.099/95 [1], se extrai in verbis que A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renuncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação. .
Assim dizendo, verifica que o dispositivo legal, conforme acima citado, dispõe a expressão opção, o que deixa margem a interpretações diversas, como temos visto em diversas decisões divergentes atualmente, pois não há uma regulamentação clara e precisa neste sentido. Os posicionamentos doutrinários não são uníssimos, como aposta Luiz Felipe Salomão [4] (p. 73), vejamos:
Para os defensores da facultatividade, não obstante a menção de que a Lei 9.099/95 criou mais do que um procedimento específico, em verdade um novo órgão judiciário, ainda assim sustentam que o limite de valor e as características dos critérios adotados, cerceando algum tipo de prova ou de atividade das partes, justificariam a adoção da opção.
Não parece razoável a intepretação do magistrado em declinar a competência quando o valor da causa que adequa ao valor estipulado no procedimento do Juizado Especial Cível, ainda que o legislador tenha excluído do artigo 1º a expressão opção, mas também não existe expressa vedação de que a parte se socorra ao procedimento ordinário.
No mais, o Juizado Especial Cível traz princípios importantes como oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, consoante dispõe o artigo 2º da Lei 9.099/95 [1] e impor que a parte se socorra ao procedimento especial poderá trazer prejuízos no tocante a ampla produção e apreciação das provas, restando razoável deixar a escolha livre ao autor.
Superada quanto a escolha da parte autora no procedimento do Juizado Especial Cível ou no procedimento comum, resta a observância dos princípios acima serem analisados com total reserva já que não se tem o magistrado liberdade irrestrita para decidir exclusivamente por equidade, embora haja permissão da lei. Nesse sentido o posicionamento doutrinário define a aplicação das normas com observância dos ritos processuais, conforme ensina o Professor Michel Elias de Azevedo Oliveira [5], que assim prevê:
Por esse prisma mostra-se importante entender que informalidade não impõe liberdade irrestrita na aplicação de normas e inobservância aos ritos processuais. Mesmo que se entenda que os juizados especiais tratam de causas de menor complexidade, não se pode negar que, em determinadas situações, o rigor da lei deve ser respeitado, principalmente aquelas proibitivas, cujo rol é taxativo, com expressa vedação legal. De igual forma possui o juizado especial cível rito processual próprio, cuja doutrina denomina como sumaríssima, e a não observância de procedimentos objetivos impõe a extinção do feito, independente de prévia intimação da parte contrária.
Frisa que o livre convencimento do juiz motivado, não está relacionado a liberdade total e irrestrita pela falsa impressão de informalidade do Juizado Especial Cível, mas cabe ao magistrado observância de critérios legais assim como entendido pelo Professor Theodoro Jr [7] (p.476), a saber:
[...] a) embora livre o convencimento, este não pode ser arbitrário, pois fica condicionado às alegações das partes e às provas dos autos; b) a observância de certos critérios legais sobre provas e sua validade não pode ser desprezada pelo juiz (arts. 335 e 366) nem as regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstrito às regras de experiência, quando faltam normas legais sobre as provas, isto é, os dados científicos e culturais do alcance do magistrado são úteis e não podem ser desprezados na decisão da lide; d) as sentenças devem ser sempre fundamentadas, o que impede julgamentos arbitrários ou divorciados da prova dos autos.
Assim dizendo, entende-se tratar de norma proibitiva do qual não cabe interpretação sistêmica do magistrado. Nesse sentido também o Professor Michel Elias de Azevedo Oliveira [5], leciona:
[...] Nesse sentido, deve-se analisar o dispositivo acima como norma proibitiva na qual não cabe interpretação sistêmica. Existem discussões doutrinárias sobre a possibilidade do preso ser parte nos Juizados Especiais Cíveis, contudo, não trata de mera liberalidade do juiz em entender se deve ou não ser parte, mas de uma vedação que está acima de convicções subjetivas do magistrado.
Ainda, importante a análise do rol taxativo previsto na Lei 9.099/95 [1] em seu art. 8º. in verbis Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. Pela disposição legal não encontra vedação expressa que o espólio seja parte do Juizado Especial Cível. Contudo, a doutrina e jurisprudência se curvaram, portanto, quanto a possibilidade ou não do espólio ser parte no juizado Especial Cível. Embora pareça uma discussão óbvia e desnecessária, a problemática vai além da simples interpretação do art. 8º da Lei 9.099/95, que a propósito, como acima dito, não exclui o espólio de ser parte.
Para a análise, não se pode ignorar o princípio da pessoalidade que rege a lei especial, tal qual prevista no art. 9º da Lei 9.099/95 [1], in verbis Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.
Evidencia-se assim, por questões óbvias, o de cujus não poderá pessoalmente participar dos atos processuais, mas surge a dúvida se o espólio será considerado representante ou meramente substituto processual. Nesse interim, devem ainda ser analisados quais os direitos e deveres transferem ao espólio e assim compreender se este tem legitimidade em figurar como parte no Juizado Especial Cível.
O artigo 75, inciso VII do Código de Processo Civil, dispõe que o espólio será representado pelo inventariante. Pelo prisma do Juizado Especial Cível, a lei especial nada fala quanto a participação do espólio, tampouco há vedação, conforme dispõe o artigo 8º da Lei 9.099/95 [1]. Assim dizendo, há quem defenda que sendo o inventariante maior e capaz, mesmo que os demais herdeiros sejam menores, será possível a representação do espólio nos Juizados Especiais, pois o demandado é a pessoa do morto e não os seus herdeiros.
A interpretação acima é temerária e não parece razoável, haja vista que com a morte, opera-se a extinção da personalidade jurídica, transferindo-se a titularidade dos bens imediatamente aos herdeiros do de cujus e essa transferência de pronto e imediata caracteriza o princípio da saisine, de forma indivisível. Logo, transferindo-se os bens aos herdeiros consequentemente transfere-se os direitos e deveres da personalidade jurídica extinta.
Portanto, é crível compreender que o espólio nada mais é que a universalidade da soma dos bens deixados pelo falecido. O conceito de espólio encontra-se expresso no artigo 2º do Instrumento Normativo SRN nº 81, de 11 de outubro de 2021 [7] in verbis asseverando que Considera-se espólio o conjunto de bens, direitos e obrigações da pessoa falecida.
O espólio, portanto, somente existe se o de cujus deixou bens a inventariar e ainda assim, no limite do monte mor, não sendo possível que se extrapole tal valor. Melhor dizendo, até a partilha de bens o montante da herança responde pelas eventuais dívidas do falecido e após partilha, havendo vários herdeiros esses não respondem de forma solidária, mas de forma concorrente no limite do percentual recebido pela sucessão hereditária.
Reforçando o entendimento acima o art. 1.997 do Código Civil dispõe que A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
Caso o espólio seja demandado em ação de conhecimento, não sendo possível precisar se será ao final condenado ou ainda qual o valor que será condenado, havendo comprovação de que o falecido tenha deixado bens, o curso do processo terá seguimento regular, ainda que no Juizado Especial Cível, mas importante repisar nesse caso que a responsabilidade ficará condicionada ao cumprimento de sentença, respeitando-se a cota parte a que cada herdeiro recebeu ou receberá, não sendo a obrigação solidária.
No mais, o art. 264 do Código Civil, dispõe in verbis Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda. Portanto, embora o espólio representasse o todo da dívida, após partilha, eventual execução afetaria exclusivamente a proporção recebida por cabeça.
Quanto ao tema extremamente complexo surge quanto a faculdade ou obrigatoriedade de receber os bens deixados pelo de cujus. Nesse ponto, não se pode obrigar qualquer pessoa que receba bens, ainda que pela sucessão hereditária. Dessa feita, haverá a faculdade do herdeiro em renunciar de seu quinhão, eximindo-se assim de eventual demanda e constrição judicial, mas para isso não pode ele ter aceitado a herança; a renúncia deve ser feita em favor do monte mor sem que se tenha havido aceitação.
Por outra banda, não existindo bens a inventariar, não existe espólio, conseguinte não há personalidade jurídica. Também podemos entender que mesmo que se transfiram de pronto os bens do falecido aos seus herdeiros necessários, existindo eventuais obrigações anteriores a morte, permanece sendo do de cujus até que se sobrevenha a partilha dos bens, pois cada herdeiro responderá apenas no limite de seu quinhão hereditário.
Dessa forma entendeu o Superior Tribunal de Justiça [8] quanto ao tema, destacando a corte superior:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. COBRANÇA DE DÍVIDA DIVISÍVEL DO AUTOR DA HERANÇA. EXECUÇÃO MANEJADA APÓS A PARTILHA. ULTIMADA A PARTILHA, CADA HERDEIRO RESPONDE PELAS DÍVIDAS DO FALECIDO NA PROPORÇÃO DA PARTE QUE LHE COUBE NA HERANÇA, E NÃO NECESSARIAMENTE NO LIMITE DE SEU QUINHÃO HEREDITÁRIO. ADOÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA PELA PARTE. INADMISSIBILIDADE. 1. Com a abertura da sucessão, há a formação de um condomínio necessário, que somente é dissolvido com a partilha, estabelecendo o quinhão hereditário de cada beneficiário, no tocante ao acervo transmitido. 2. A herança é constituída pelo acervo patrimonial e dívidas (obrigações) deixadas por seu autor. Aos credores do autor da herança, é facultada, antes da partilha dos bens transmitidos, a habilitação de seus créditos no juízo do inventário ou o ajuizamento de ação em face do espólio. 3. Ultimada a partilha, o acervo outrora indiviso, constituído pelos bens que pertenciam ao de cujus, transmitidos com o seu falecimento, estará discriminado e especificado, de modo que só caberá ação em face dos beneficiários da herança, que, em todo caso, responderão até o limite de seus quinhões. 4. A teor do art. 1.997, caput, do CC c/c o art. 597 do CPC [correspondente ao art. 796 do novo CPC], feita a partilha, cada herdeiro responde pelas dívidas do falecido dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube, e não necessariamente no limite de seu quinhão hereditário. Dessarte, após a partilha, não há cogitar em solidariedade entre os herdeiros de dívidas divisíveis, por isso caberá ao credor executar os herdeiros pro rata, observando a proporção da parte que coube (quinhão), no tocante ao acervo partilhado. 5. Recurso especial não provido [8].
Com a abertura da sucessão, forma-se via de regra um condomínio necessário que fica condicionado à partilha dos bens já que os herdeiros responderão tão somente no limite de seu quinhão hereditário, não sendo razoável que arquem com valores superiores aquilo que receber.
Importante também compreender que a simples menção na certidão de óbito de que o de cujus não deixou bens a inventariar, por si só não é capaz de extinguir eventuais demandas judiciais. Como amplamente debatido acima, por cautela, o juiz deverá determinar que a parte adversa apresente nos autos comprovação de abertura de inventário, demonstre existência de bens ou ainda que a comprovação de eventual inventário negativo.
Tratando-se do procedimento do Juizado Especial Cível, deve observar se o falecido é a pessoa do autor ou do réu. Isso porque restando falecido o autor, ainda que não se tenha deixado bens a inventariar, a ação proposta demonstra, no mínimo, uma expectativa de crédito, entendendo ser legítima a substituição processual pelo espólio, pois, sendo procedente a ação, receberá eventuais créditos na proporção do quinhão a que terá direito. Portanto, a mera expectativa de direitos futuros já legitima o espólio a formação da personalidade jurídica. Veja que neste caso, a extinção do feito dar-se-á apenas na hipótese expressa do artigo 51, V, que prevê a extinção do processo quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta dias..
Malgrado entendia-se que apenas pessoas naturais podem ingressar com ação no Juizado Especial e por tal razão o espólio não pode ser parte. Nesse sentido a Turma Recursal de Governador Valadares/MG [9] de Relatoria do Juiz Wagner Alcântara Pereira, entendeu:
Apenas as pessoas naturais poderão ser partes ativas no Juizado Especial, vedada a legitimidade aos entes formais, v.g. espólio, incidindo, pois, o óbce legal do artigo 8º, § 1º, da Lei n. 9.099/95. Acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam levantado de oficio pelo relator, nos termos do artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil. Extinção do Processo.
Sabiamente a jurisprudência demonstra superado quanto ao espólio figurar no polo ativo, até pela expressa permissão do artigo 51, V da Lei 9.099/95 [1].
De outra banda, sendo falecido o réu e comprovado não haver bens, não existe espólio, extingue-se a personalidade jurídica do morto, não havendo assim substituto processual ou representação, logo, no caso em estudo, pelo procedimento do Juizado Especial Cível, a ação deverá ser imediatamente extinta, por carência de condição de ação.
Assim dizendo, não tendo bens a inventariar em caso de existir ação em curso, implicaria na imediata extinção do feito por ausência de pressuposto para o desenvolvimento regular do feito. É o que entendeu a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região AC 0000143-79.1999.4.300/AC [10] que assim firmou entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FUNDADA EM TÍTULO EXTRAJUDICIAL. FALECIMENTO DO EXECUTADO SEM DEIXAR BENS AOS HERDEIROS. 1. Embora inexistência ou não localização de bens penhoráveis não autorize extinção do processo de execução, sob fundamento de perda do interesse processual, o falecimento do executado, sem deixar bens, determina a confirmação da sentença extintiva, certo como, com o falecimento, as dívidas do falecido apenas se transmitem nas forças da herança por ele instituída, de modo que, inexistindo bens deixados aos herdeiros, inexiste pressuposto para o desenvolvimento regular do feito. 2. Recurso de apelação não provido [10].
Ainda, poderá ser extinta a ação no Juizado Especial Cível se a parte autora não apresentar aos autos a devida representação processual, no prazo de 30 dias da ciência do fato. É o que expõe o artigo 51, VI, da Lei 9.099/95 [1], que assim prevê:
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
[...]
VI - quando, falecido o réu, o autor não promover a citação dos sucessores no prazo de trinta dias da ciência do fato.
Quanto a participação do espólio como parte no Juizado Especial Cível também parece superada pelo posicionamento majoritário doutrinário e jurisprudencial. A propósito, o Enunciado 148 do FONAJE que prevê que inexistindo interesse de incapazes, o Espólio pode ser parte nos Juizados Especiais Cíveis.
Veja que o enunciado acima veda que o espólio seja parte no Juizado Especial Cível quando há interesse de incapaz. A discussão mais uma vez gira em torno da capacidade civil da parte e não especificamente quanto a participação do espólio, como dito, discussão superada. Contudo, sobrevindo no espólio a pessoa do incapaz ou ainda o preso, imperioso a imediata extinção do feito. Nesse interim, impõe-se análise detida no que dispõe o artigo 51, VI da Lei 9.099/95 [1], que prevê:
Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
[...]
IV- quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei.
Se porventura, se dentre os representantes do Espólio exista a pessoa do preso ou do incapaz, será o Juizado Especial Cível incompetente para o processamento e julgamento do feito, vale frisar, incompetência absoluta por expressa vedação legal do rol taxativa prevista na Lei 9.099/95 em seu art. 8º. in verbis Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.. [1] [grifo nosso]
Consoante Edilson da Silva Costa [11] a vedação expressa que trata o artigo citado encontra-se na ausência do pleno gozo dos direitos civis, necessário portanto a representação, como se vê:
Segundo aspecto da capacidade refere-se à capacidade de estar em juízo, isto é, não basta que alguém seja pessoa, é necessário também que esteja no exercício de seus direitos. Esta capacidade, perante a lei civil, costuma ser chamada capacidade de fato. Assim, por exemplo, o menor de idade é pessoa natural e, portanto, capaz de direitos, podendo ser parte, mas não tem ele capacidade de estar em juízo porque não está no exercício de seus direitos. A capacidade de estar em juízo equivale, portanto, à capacidade de exercício dos direitos, nos termos da lei civil. Aqueles que, por acaso, não estejam no exercício de seus direitos devem ser representados por via da representação legal. (grifo nosso).
Consoante despendido pelo Professor Michel Elias de Azevedo Oliveira [5] o legislador à época entendeu que a vedação se dá exclusivamente pela ausência de capacidade irrestrita. Entende ainda que não se trata da vedação de limitação ou negativa à garantia constitucional do acesso à justiça ao preso, que podemos transportar para a análise também do incapaz, mas trata de uma proteção ao próprio preso ou incapaz. Vejamos:
[...] Assim, o preso não goza da capacidade irrestrita de seus direitos civis, sendo, portanto, o verdadeiro entendimento legislativo à época em excluir o preso de ser parte no Juizado Especial Cível. Logo, deve ser representado em Juízo, esbarrando na vedação expressa imposta pelo artigo 8º acarretando na consequência prevista do inciso IV, do artigo 51, ambos da Lei 9.099/95, qual seja, a imediata extinção do feito.
[...] Não se trata de uma limitação da garantia constitucional do acesso à justiça garantida ao preso, mas de uma proteção ao próprio preso que deverá se socorrer do procedimento ordinário para fazer valer o seu direito, garantindo o contraditório e a ampla defesa de forma ampla, principalmente quanto à especificação de provas e produção dessas provas.
Há quem discuta, de forma infundada, que o preso possa ser parte no Juizado Especial Cível, por uma intepretação análoga a permissão recente do preso nas ações do Juizado Especial da Fazenda Pública. Nesse sentido ainda, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná fixou a tese de que a pessoa presa é parte legítima para figurar no polo ativo de demanda ajuizada no Juizado Especial da Fazenda Pública.
Para que não se tenha interpretação dúbia é importante frisar que a Lei 12.153/2009 não traz em seus artigos qualquer rol taxativo de o preso ser parte no Juizado Especial da Fazenda Pública, diferentemente do que ocorre na expressa vedação legal do art. 8º da Lei 9.099/95 [1], não permitindo assim que o magistrado ultrapasse os limites impostos e entenda de forma diferente.
Trata, portanto, na proibição de o preso ser parte, ainda que como substituto/representante do espólio. Essa proibição não pode estar atrelada a interpretação livre do magistrado. Nesse sentido, Artur Stamford [12] (p. 101): [...] a segurança não está na fonte, na estrutura normativa, nas condições de validade da norma jurídica, mas antes, nos modelos, no conteúdo material das fontes, no procedimento, no plano de eficácia..
Cabe ao magistrado interpretar a norma de forma literária e não fazer suposições, salvo quando há permissão legal ou na lacuna das normas. Neste ponto deve impor a estabilidade das normas e da segurança jurídica, uma vez que decidindo de forma contrária, trará instabilidade ao próprio direito.
Importante destacar que o art. 8º da Lei 9.099/95 [1] não faz qualquer distinção de incapacidade relativa ou absoluta. Apenas exclui o incapaz e exclui o preso. Por analogia ao dito acima quanto ao preso, trata da ausência do uso pleno da capacidade civil. Por outras linhas, quanto a pessoa do incapaz, sequer há discussão neste sentido em relação a permissibilidade, sequer necessário uma intepretação hermenêutica no sentido.
Tanto o incapaz quanto o preso não possuem legitimidade ativa ou passiva no Juizado Especial Cível. Logo, definitivamente não podem ser parte no Juizado Especial Cível. Sobrevindo então o falecimento de qualquer das partes no Juizado Especial Cível e dentre os representantes tenha incapaz ou preso, o feito deverá ser imediatamente extinto, nos termos do artigo 51, IV da Lei 9.099/95 [1]. Por oportuno, importante frisar que não encorado no rol taxativo do artigo 8º da citada lei será possível a participação do espólio como parte, desde que exista de fato a personalidade jurídica.
CONCLUSÃO
Em consonância com a legislação vigente e com o posicionamento jurisprudencial e doutrinário é possível afirmar o espólio possa ser parte no Juizado Especial Cível, seja no polo ativo quanto no polo passivo. Qualquer interpretação sistêmica quanto a impossibilidade por entender que apenas pessoa natural pode figurar como parte é temerária e ilegal, inclusive porque o artigo 51, V e VI da Lei 9.099/95 é uníssima a tratar de possibilidade de substituição processual.
Não se discute, porém, quanto a participação do espólio como parte, mas nesse ponto em especial precisa entender o que é o espólio. Como dito, o espólio nada mais é do que a existência de bens deixados pelo falecido. Essa soma positiva de bens, transferem-se aos herdeiros que por si só transferem-se direitos e obrigações, tendo assim personalidade jurídica.
De outra banda, não restando bens a inventariar, desde que devidamente demonstrado insuficiência de bens recebidos, evidencia-se que não existe espólio, tampouco há personalidade jurídica, nada tendo relação os herdeiros quanto a relação jurídica e por isso não pode ser parte, seja no Juizado Especial, seja no procedimento ordinário.
REFERÊNCIAS
[1] BRASIL, Lei nº. 9.099/95, de 26 de setembro de 1995 (Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm.
[2] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. TJ-SP Conflito de Competência nº 33.228-0. Câmara Especial. Origem 37ª Vara Cível.
[3] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. TAMG Ap. Cível n. 222.033-7 (Acórdão), Rel. Juiz Wander Marotta, Data de Julgamento: 14/08/1996. Turma Especial Reduzida, Data Publicação: 14/08/1996.
[4] SALOMÃO, L. F. Inconstitucionalidade da Opção ao Autor para Ingressar nos Juizados Especiais Cíveis. DRT/1997/478. Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 1998.
[5] OLIVEIRA, M. E. A.Da impossibilidade de o preso ser parte no juizado especial cível.Revista Jus Navigandi, Teresina, n.6921,2022. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/98549. Acesso em:13 jun. 2022.
[6] THEODORO JR., H. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, 47. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007.
[7] BRASIL. Instrução Normativa SRF nº 81, de 11 de outubro de 2001 (Dispõe sobre as declarações de espólio). Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=14359. Acesso em:13 jun. 2022.
[8] BRASIL. STJ. REsp 1367942/SP (Acórdão), Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015.
[9] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. TJMG. Rec. nº 130/1998. Turma Recursal de Governador Valadares/MG. Câmara Especial. Origem 37ª Vara Cível.
[10] BRASIL. TRF 1ª Região - 6ª Turma - AC 0000143-79.1999.4.01.3000/AC (Acórdão), Rel. Desembargador Federal CARLOS MOREIRA ALVES, julgado em 21/07/2021, DJ 08/08/2012.
[11] COSTA, E. S. A representação da pessoa natural nas audiências dos Juizados Especiais Cíveis estaduais, 2005. Disponível em: https:// https://jus.com.br/artigos/7066/a-representacao-da-pessoa-natural-nas-audiencias-dos-juizados-especiais-civeis-estaduais/. Acesso em: 04 jun. 2022.
[12] STAMFORD, Artur. Decisão judicial: dogmatismo e empirismo, Curitiba: Juruá, 2000.